quinta-feira, 24 de maio de 2012

Everyone’s a Photographer








Se você já foi turista, já deve ter se sentido só mais um no meio da multidão de pessoas que fotografam a mesma cena, o mesmo lugar. Em meio a uma viagem, um pensamento sobre a forma como as pessoas se relacionam hoje com a obtenção de imagens me fez pensar: Quem não assume o papel de fotógrafo em algum momento do dia, do mês, do ano? Imagens são cada vez mais fáceis de obter, e câmeras pequenas convivem com grandes lentes e até microcelulares. Mas todo mundo registra, todo mundo quer guardar. Anotar não. Guardar na memória, talvez. Mas é tão mais fácil dar um clique e armazenar no arquivo digital para não correr o risco de perder o que se viu, não é? Achei incrível ficar observando a postura que as pessoas assumem no papel de fotógrafo. Como interagem com a câmera, como a carregam e em que momentos elas são sacadas. Existe uma banalização da imagem? Pode ser, mas também existe um aculturamento visual, todos experimentando enquadrar, selecionar, dar valor a determinados aspectos como a luz, a textura, a cor. Acredito que o mundo vem ficando e vai ficar cada vez mais enriquecido por um olhar fotográfico. Não que todas as fotos sejam boas, a maioria pode ser ruim ou superficial, mas todos os fotógrafos, amadores ou não, criam uma nova forma de se relacionar com as imagens.










Durante dias eu fiz fotos dos fotógrafos e nasceu assim um duelo de observadores. Colocados frente a frente eles se tornam o próprio foco do registro fotográfico.








FOTOS DE PAULA LANGIE

domingo, 14 de novembro de 2010

COMPARTILHANDO DESEJOS

Todos nós temos desejos.
Geralmente desejamos algo para nós mesmos.
Desejamos viver um grande amor, ter muita saúde, desejamos paz.
Enfim, desejamos ser felizes.
Também desejamos coisas boas para as pessoas que gostamos, aquelas que nos cercam.
Mas a palavra DESEJO tem tamanha força semântica que não é a toa que foi escolhida para nomear um esmalte. Vermelho. O desejo.
Um dia desses nos demos conta que gostaríamos de distribuir desejos por aí, inclusive para aqueles que não cruzaram ainda e que talvez nunca cruzarão nosso caminho.
Sendo assim, compramos vidrinhos de "desejo" e os completamos com o que gostaríamos de desejar para pessoas desconhecidas que por destino (ou não) encontrem esses frascos de desejo por aí.
E assim distribuímos nossos desejos retirados do poema de Carlos Drummond de Andrade.












































DESEJO

Desejo a você
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a banda passar
Noite de Lua cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus.
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho.
Sarar de resfriado
Escrever um poema de amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender uma nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar Violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinho meu.

Carlos Drummond de Andrade
























































































domingo, 17 de janeiro de 2010


UM CARDEAL NA BIENAL

O que há de melhor que viajar? Viajar com amigos especiais. E melhor ainda, viajar com amigos especiais para visitar lugares que inspiram a criatividade e aumentam o conhecimento. Foi assim que cada viagem em grupo que fazemos se tornou um bom motivo para criar uma ação que motive a viagem de forma criativa. Em 2008, ano da 28ª Bienal de São Paulo, organizamos nossa ida para presenciar o maior evento brasileiro de arte contemporânea, algo que apreciamos. Os comentários sobre a Bienal não eram favoráveis. A chamada "Bienal do Vazio", cujo tema foi "Em vivo contato", era anunciada como uma das mais pobres Bienais, contando com pouco investimento e apresentando menos trabalhos que o usual.

Um andar inteiro foi deixado vazio, sem obras, com alegação de que serviria para pensar e experimentar a estrutura do próprio prédio conforme constava no site da mostra: "Nesse território do suposto vazio que a intuição e a razão encontram solo propício para fazer emergir as potências da imaginação e da invenção." Propor que os visitantes criem, ou se relacionem com a arquitetura do prédio em função de presenciar um andar vazio, foi tido por muitos como distante, pouco eficaz. O público achou que tinha mais um caráter de protesto, pelos escassos recursos, do que um propósito realmente bem embasado de reflexão sobre o espaço expositivo.
Mas quisemos ir conferir de perto e pensamos que poderíamos fazer uma viagem diferente, levar algo, um objeto talvez, que "testemunhasse" a nossa passagem pelo evento.
Preparamos então um companheiro de viagem, a foto de um pássaro típico do Rio Grande do Sul, um cardeal. A intenção era interferir nos procedimentos habituais de
uma viagem, vendo nosso percurso com um outro olhar, o olhar de registrar a passagem e a presença dessa imagem, quase que uma testemunha do que presenciamos.
Foi assim que se criou uma rotina de registro. A atitude de registrar a presença do cardeal, a cada passo da viagem, nos fez obter fotos pelas quais nao teríamos interesse sem essa proposta.
Criar um ponto intrigante nas imagens de registro era nossa intenção, entender as fotos de registro com um certo estranhamento, de ter uma testemunha que interfere na leitura visual desses lugares desconhecidos ou pouco frequentados. Um cardeal nas fotos torna intrigantes imagens que seriam banais.
Mas não é somente na postura frente aos percursos de uma viagem que gostaríamos de interferir levando um "amigo imaginário" para interagir, era também e, principalmente, na nossa postura ao apreciar as obras de arte. Apreciar a arte contemporânea é muitas vezes difícil. Muitos trabalhos não fazem sentido, ou melhor, não chegam a gerar uma empatia, ou uma atitude reflexiva. Muitos geram mesmo é um vazio. Assim, muito mais que uma vontade de pensar sobre a arte atual, os recursos e a crise da Bienal, o andar vazio faz pensar sobre o NADA. Ao intervir no espaço vazio, inserindo nossa testemunha de percurso, o NADA deixou de ser nada e passou a ter uma intenção: como interagir com esse nada, com isso que observo e perante o qual me posiciono. A reflexão nos pareceu bem mais interessante e produtiva: passar a refletir sobre a proposta da exposição a partir de como queríamos registrá-la.
Essa mudança de postura de observador para agente fez com que mudássemos o contato com a arte dos lugares que visitamos, passando a nao ter mais tanta importância o que os artistas queriam dizer, mas como iríamos interpretar, ou melhor, recriar o que estávamos vendo, inventando uma nova imagem.
Quanto à Bienal, achamos que ela foi pouco expressiva, poucas obras nos chamaram realmente a atenção fazendo refletir. Mas essa própria "pobreza", justificada pelo pouco quantidade de investimento, nos faz refletir sobre a crise que esse tipo de evento vive na atualidade. O grande público sente-se, na maioria das vezes, muito distante do entendimento da arte e do aproveitamento do contato com a arte contemporânea que exige um contato diferente do de um visitante em busca de lazer em tardes de domingo.
Além da Bienal, visitamos a "Paralela", exposição que acontece sempre ao mesmo tempo da Bienal e que apresenta trabalhos tão ou mais interessantes que esta. Na paralela encontramos obras que nos interessaram mais.
O que nos estimula ao ver o resultado dessa ação é o registro desse percurso pelo viés da nossa testemunha ocular, registro de como ela interagiu com os espaços por onde estivemos, de como procuramos lugares especiais pela cidade onde ela melhor se enquadraria para nossos registros - lugares dos quais sem ela não estaríamos à procura, registro de como documentamos essa imagem explorando peculiaridades das próprias obras, como seus reflexos, composição, imagem em movimento, enfim, de como a imagem do cardeal interagiu com o registro, óbvio que sem interferir nas obras ou prejudicá-las.
Foi uma ação totalmente sem propósitos de exposição ou de divulgação. Serviu somente para enriquecer nosso contato com a viagem, com os lugares e, também, com as obras que presenciamos. Para nós, um outro tipo de olhar...
Bobagem para preencher o tempo? Mas o que é a vida senão procurar coisas que preencham nosso tempo para que ele se torne menos sem sentido?